Comer x Gula



"Quando a gula se torna a mãe de todas as nossas ações é porque desistimos de lutar pelo que desejamos e passamos a desejar o que está mais à nossa disposição. Deixamos de trabalhar para atingir nossos objetivos com nossas próprias mãos e aceitamos o que nossa mente nos propõe. Flusser (2006), de forma poética, lembra que “a vida em sua brutalidade luxuriosa não dispõe de órgão para a gula.

Esse órgão é mental, é a mente em oposição e como sujeito realizador da natureza. Todas as goelas de todos os tigres, todas as pinças de todos os escorpiões, todos os braços de todos os pólipos são instrumentos inocentes e inofensivos, se comprados com a mente em sua oposição à natureza e em sua ânsia gulosa de transformá-la em ‘realidade para a mente".

“O guloso é sedento não somente de comida. Ele busca por atenção, afeto, carinho. Ele quer se encher daquilo que lhe faz falta, ainda que possivelmente nada lhe falte; ele não tem a paciência para esperar e poder observar que sua barriga está cheia e sua fome foi aplicada. Ainda que sua barriga, em muitas das vezes, seja sua alma e sua fome seja o nome dado à sua carência”. “Daí se desprende que comer demais não é, necessariamente, sinônimo de gula. O mesmo pode-se dizer da busca pelo prazer à mesa, quando nos deliciamos com os sabores de pratos bem elaborados, quando percebemos cada um dos detalhes de sua elaboração e apreciamos os ingredientes que lhe conferem seus sabores tão específicos. Isso não é gula. “O beija-flor, prazer dos nossos jardins, não é idealista, não beija flores. Devora cinco vezes o peso do seu próprio corpo por dia. Isto não é gula. Gula é o prazer de devorar, o puro devorar pelo devorar (FLUSSER, 2006).


Referências: FLUSSER, Vilém. A história do Diabo. 2ª ed. São Paulo: Annablume, 2006. Em cena da mente/comportamento. “Como não é pecado” Saúde Mental em Movimento/ en_cena